NFTs e criptoativos: o que mudou depois do hype?

Um artigo da Forbes lançado há duas semanas sinalizou um movimento que alguns observadores do mercado cripto já previam: a queda de interesse do público geral sobre o assunto NFT. 


Já falamos em artigo sobre a necessidade de observar o mercado de criptoativos para além do hype train e de se atentar ao que a inovação tem a oferecer de verdadeiramente duradouro ao mercado, como, por exemplo, a tecnologia blockchain.


No entanto, ainda há futuro para os NFTs? O que mudou nos últimos tempos? Há vida após o hype? Para responder a essas perguntas, trouxemos Marco Jardim, Diretor de tecnologia blockchain da Investtools.


Quando conversamos há alguns meses, para muitas pessoas NFT e blockchain era uma coisa extremamente nova, a maioria das pessoas mal sabia que existia. Hoje, mesmo passado não muito tempo, o tema está no centro do debate, e gera opiniões acaloradas. De lá pra cá, você já percebe uma diferença na postura geral em relação a essas tecnologias? 


A verdade é que não mudou muito. Ou melhor, a grande mídia abordou muito o assunto, houve muita divulgação, é verdade. Porém, não houve um evento, ou então um produto “do dia-a-dia” que fosse capaz de tornar a coisa mais tangível ao grande público. Para leigos, não é fácil. Por exemplo: muitos viram o “NFT do macaco” que o Neymar comprou. Digamos que eu, interessado no assunto após ver essa compra, quisesse também comprar um NFT desse tipo. Vou ter que pesquisar no google: “como comprar… etc.”. E aí vou descobrir que só posso comprar usando criptomoedas. E então vou ter que descobrir como comprá-las, entender como funciona essa espécie de mercado de câmbio, ir atrás de sites e mais sites. Para quem nunca lidou com isso, é muito difícil. São muitas etapas, logística e informacionais, muitas barreiras ao grande público. O mercado até cresce, se expande, gera muito barulho - mas se a pessoa comum não pode acessar aquilo, se ela não vê utilidade naquilo, fica muito complicado.


Envolvido com o desenvolvimento do Gov Token, você costuma dizer que os Estados têm autoridade decisiva para dar legitimidade e, sobretudo, essa tangibilidade que falta aos criptoativos. Agora, fala sobre a falta de um “grande evento”. O Banco Central tem realizado projetos de estudo para um real digital. Um evento como esse poderia ser o que está faltando?


Essa resolução do Banco Central já mostra a quem será dada a oportunidade de assumir os grandes projetos envolvendo criptoativos daqui pra frente: grandes exchanges e grandes bancos. É isso. Nesse caso, é bom e é ruim. É bom porque fortalece a tecnologia (que terá mais recursos para ser desenvolvida), mas é ruim porque a transfere ao mesmo grupo que hoje já é o dono de basicamente tudo, e que se esforçará para manter esse tipo de negócio em suas próprias mãos. 


Quando o Estado, nesse caso, usa uma tecnologia como essas para fortalecer players já carimbados, a gente corre o risco de que o caráter disruptivo da tecnologia seja afetado?


Acredito que sim. É claro, sempre há uma distância entre o que queremos que aconteça e o que acontece de fato. Não dá pra esquecer que a origem dessas tecnologias é mais ou menos obscura, surgiu de forma revolucionária, independente, feita por pessoas anônimas. Nos últimos tempos, tem se revelado no mundo todo uma disputa por essas tecnologias, cobiçadas por quem percebe o poder que elas têm. O Elon Musk, por exemplo, criou muita mídia pontual em cima dos NFTs, e esse tipo de coisa serviu mais para gerar barulho em cima do nome dele do que para fortalecer as tecnologias de fato. Alguém como ele acaba virando uma espécie de “porta-voz” da tecnologia. É um mau sinal, no meu ponto de vista. NFTs, criptomoedas, vem em cima de uma lógica de descentralização. Quando alguém como ele participa disso, não vai querer descentralização - vai querer aquele poder. Cria-se um conflito ideológico dentro do universo blockchain. Agora, estritamente em termos de mercado, eles estão corretos, é claro. Estão marcando posição, desbravando um ecossistema novo, de forma a serem os únicos beneficiados. 


Em entrevista ao Money Times, você chegou a falar sobre as vantagens, oferecidas pelo blockchain, dessa descentralização. No caso dos NFTs, essa descentralização prometia uma mudança da relação entre artista e consumidor, revelando e dando força a artistas que antes precisariam de mais intermediários para aparecer ao grande público. Apontado esse movimento centralizador ao qual você se refere, essa promessa ainda faz sentido?


Ainda há artistas independentes atuando no sentido dessa descentralização. Músicos que por exemplo não conseguem espaço num Spotify, numa gravadora normal, e acessam o mercado de criptoativos, como por exemplo um meio de distribuição peer-to-peer (P2P), para ganhar visibilidade. Mas aí retornamos ao primeiro problema que eu trouxe: ninguém hoje vai querer comprar uma música ou um filme independente pagando com criptomoedas. Só quem é muito entusiasta da coisa, quem vive mesmo aquilo. Está muito, muito longe do cidadão comum. Não parece estar havendo esforço real de grandes players para ir além do nicho.


Você usou a palavra “entusiastas”, e agora fala de um nicho. Nos últimos tempos, parece ter mesmo surgido um nicho de entusiastas de NFT, um grupo mais ou menos reduzido de pessoas que transformaram a tecnologia num “modo de ser”, num verdadeiro núcleo social, mais ou menos fechado. No entanto, imagina-se que a expectativa de qualquer mercado que queira se consolidar é a expansão, sobretudo numa época em que a democratização do ecossistema de financeira está na moda. Não é uma contradição? O mercado NFT ganha algo se mantendo como nicho?


É uma boa pergunta. É claro que existe uma vantagem de se manter como nicho: os entusiastas iniciais podem explorar um universo novo, um verdadeiro “faroeste”, uma terra de oportunidades, mais ou menos sem lei. Há então coisas boas e ruins: muita oportunidade, mas também muita fraude aproveitando-se da falta de regulação e capitalizando em cima do desconhecimento. Não é preciso exigir uma regulação fortíssima, uma coisa rígida, afinal, como eu disse, o blockchain é uma tecnologia descentralizadora. Mas não dá pra ser faroeste, seguir sendo como está. Respondendo diretamente à sua pergunta, acredito que não é um movimento contraditório: esse “movimento de faroeste” existe em qualquer nicho quando a coisa é nova e muito promissora - aconteceu com a internet, por exemplo. Difícil é saber por quanto tempo vai seguir sendo assim, e conseguir ver quem vai melhor usar o que sobrevive acima de qualquer moda: a tecnologia. 


Retornando à questão dos grandes players que têm chegado. Nessa analogia de faroeste, está chegando a ferrovia?


Exatamente. Vem a ferrovia, vem os grandes negócios. O dinheiro pode transitar melhor, e em maior volume. Mas quem vivia ali, sozinho, de “oportunidade”, pode quebrar. É mesmo a colonização de um ecossistema, cuja dinâmica fica à mercê desses grandes players. O status quo, evidentemente, passa para a mão de quem tem mais força. Observamos menos a tecnologia como algo independente, e acabamos precisando observar mais o movimento dos players


É o principal movimento para o qual devemos ficar atentos em 2022?


Precisamos ficar atentos a dois movimentos. A esse, o dos grandes players, que querem ocupar o mercado - e também, por outro lado, ao movimento dos transgressores, dos produtores independentes que levam a sério o caráter disruptivo da tecnologia. E há um motivo pelo qual eu falo isso. Porque identificar os grandes players hoje é fácil, cada vez mais fácil. Mas identificar os transgressores, produtores capazes de usar a tecnologia de forma efetivamente inovadora, está cada vez mais difícil. A janela de oportunidades está, aos poucos, se fechando. É preciso que fiquemos atentos. 


Marco Jardim | Diretor de tecnologia Blockchain na Investtools


Matheus Manhães | Comunicação na Investtools

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